20.4.07

Assinei contrato com a Jorge Zahar; livro deve sair em agosto

Meu livro já está sendo corrigido. Deve chegar às livrarias no final de agosto. Fechamos o contrato de publicação com a Jorge Zahar, minha primeira opção, pela afinidade temática, pelo prestígio e profissionalismo. E eu que pensava que a minha parte tinha acabado, estou recebendo comentários e correções e reescrevendo passagens inteiras. Mas trabalho com gosto.

Acho que já está na hora de divulgar aos poucos leitores deste blog. Meu livro - Conectado: O que a Internet fez com você e o que você pode fazer com ela - já tem editora. Ele será publicado pela Jorge Zahar e se mantivermos o cronograma, ficará pronto no final de agosto.

Já faz três semanas que começamos a trabalhar no texto. Eles me mandam os originais corrigidos e comentados e eu vou mexendo e acertando o conteúdo.

Primeiro sentimento: foi especial perceber uma série de profissionais competentes dando atenção a uma coisa que eu escrevi. É como se a semente germinasse e fosse se multiplicando. Aquilo deixou de ser meu e está ficando cada vez mais coletivo. Muito bom!

Trabalho: estou literalmente reescrevendo passagens inteiras do livro. Terminei a última redação no dia 9 de janeiro. Parece que deu tempo para eu me desvincular do texto. E por causa disso, fica mais fácil entender as coisas que precisam ser corrigidas.

É bom poder rever o texto todo, minuciosamente, com essa ajuda metódica e profissional da equipe da Zahar; é bom perceber que o livro vai sendo lapidado.

Tudo isso deve justificar a falta de tempo para manter esse blog atualizado. É sofrido; crise de ansiedade. Tanta coisa acontecendo, notícias, artigos, livros para ler, e o tempo não alcanca, as prioridades não permitem. É o exercício agora e desde muito tempo: ter o foco.

Quando terminarmos o processo de correção e a editora precise menos de mim, terá chegado a hora de cuidar de novo deste blog. Ele é parte do livro; é por aqui que leitores vão conversar, pondo em prática o que está escrito (porque o livro é sobre comunicação online) debatendo, criticando, acrescentando, corrigindo, revendo, etc.

Em breve!

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18.4.07

Conversa de marreteiros

Hoje presenciei uma conversa de marreteiros no trem para o trabalho. Eles trocavam idéias sobre como escapar do fiscal que estava no vagão seguinte. Uma senhora que estava perto quis demonstrar simpatia dizendo alguma coisa tipo: 'não deixam o pobre trabalhar.' Me preparei para ouvir mais uma variação sobre o tema da vítima social, mas fui surpreendido pela resposta lúcida dos marreteiros.

Entrei hoje no trem com meu livro e assim que as portas fecharam, não um, dois marreteiros (vendedor ambulante ilegal) começaram a anunciar seus produtos. Ambos bem vestidos e com jeito de vendedores. Um oferecia cartilhas para crianças treinarem caligrafia e o outro, mapas atualizados, ano 2007.

Me esforçei para manter a atenção no meu livro apesar da música confusa produzida pela sobreposição de bordões. (Bordões apregoados com maestria, posso dizer, com pronúncia clara, projeção vocal, dentro de um fraseado melódico típico do vendedor antigo.)

Eu já ia me acostumando com aquilo quando eles pararam repentinamente, vieram para o fundo do vagão onde eu estava e começaram a conversar. Falavam abertamente sobre o trabalho.

Tenho a impressão que, olhando pela escotilha da posta que liga os vagões, eles viram um fiscal. E a conversa parecia direcionada para uma troca de idéias sobre como fazer para despistá-lo depois que o trem parasse na estação.

Falavam dessas dificuldade quando, em um respiro dos dois, uma senhora sentada próxima disse algo como: para o pobre, nada. A gente ouve isso o tempo todo; de como o 'sistema' suga os mais fracos, explora, escraviza até matar. Mas antes da conversa entrar pelo roteiro conhecido das lamentações, sobre os sofrimentos e penas do brasileiro, o marreteiro que estava ao meu lado respondeu:

- Nada! Assim é que é bom. Se não tiver fiscalização, o trem fica cheio de marreteiro e a gente não vende.

Ambos concordaram mostrando que àquela hora (eram quase dez da manhã) já tinham vendido suas cotas e estavam terminando o expediente. O que estava mais preocupado com o fiscal explicou que já tinha acabado de vender seus cem mapas e aproveitou a sobra de tempo para acabar com a parte que o filho dele não conseguiu vender.

Darwinismo, a sobrevivência dos mais aptos. O vendedor ilegal aprova a existência de policiamento confiando em seu talento e determinação, para tirar proveito da oportunidade aberta pela diminuição da concorrência.

Eles pareciam mesmo profissionais. Inteligentes, criativos, corajosos. Não se deixavam abater pelo confisco de mercadorias, pelas multas, pelo vexame de ser autuado em flagrante e serem vistos e julgados pelo olhar anônimo dos passantes. Não. Eles insistem, voltam no dia seguinte, trocam idéias entre si, estudam seus oponentes. Sabem como eles atuam, onde, quando, suas idiosincrasias.

E estão faturando. Devem ter começado o expediente com os primeiros passageiros da madrugada. Cinco horas depois estavam livres e com as necessidades de sobrevivência garantidas. Não só têm família como estão iniciando seus herdeiros na arte de marretar. Existe uma técnica, o tipo de mercadoria mais aceita, a maneira de anunciar o produto, a forma de detectar os inspetores e se tornar invisível na multidão.

Se tivessem nascido de famílias com mais recursos, provavelmente seus rostos estariam nas revistas de negócios e finanças como empreendedores vitoriosos. E talvez ecooando o sentimento de vitimização da senhora no trem, fico pensando no desperdício de ter pessoas capazes produzindo muito menos riqueza do que poderiam.

Penso no ser humano como a maior riqueza. A célula inteligente que produz o movimento, divide o átomo, aprende a voar. Aquela mesma riqueza que eu vejo todos os dias no caminho para o almoço encostada nos muros da Avenida Mauá, perto da Estação da Luz, fumando crack ou cigarro desde os quatro, cinco anos de idade. Mirradinhos, sujos, sobre o cimento quebrado, dormindo na sombra, esquecidos de tudo o que está deste lado.

Mas essa conversa de marreteiros, como uma parábola, sugere mais do que pede explicação. Pensei também no Brasil e em como é conveniente que as coisas não funcionem; aquela história de que, ao contrário do que se ensina nas escolas, a colonização ibérica foi muito mais eficiente que a inglesa. Tanto que a máquina continua funcionando quase duzentos anos depois da ruptura formal com a metrópole.

E vou além. Penso que esses marreteiros não precisam de tanto para viverem bem. Talvez eles até digam que sim, como crianças que prometem qualquer coisa na frente de um pote de biscoitos, prometem até comer todo o prato do almoço, mas depois a barriga doi de arrependimento. Talvez esses marreteiros não precisem viver em um país rico e serem ultra-eficientes.

Complexidade gera riqueza. Mais maneiras de pensar, planejar, realizar. Complexidade produz eficiência. Os mais aptos atingindo o topo de suas potencialidades. Os não tão aptos, eventualmente, conseguindo viver dignamente. Mas complexidade é um fardo também. É a ilusão da chegada, o pote de biscoitos antes da janta, o caminho fácil, a falsa proteção.

Pensando espiritualisticamente, o que esses dois marreteiros precisam que eles não têm? Demonstraram disposição, tranquilidade, orgulho pela sensação de missão cumprida e até uma certa marotice alegre pela vitória temporária sobre a fiscalização. O que eles têm para invejar os mais endinheirados se eles já têm a satisfação interior?

Tantas coisas que vamos buscando do lado de fora, e sobra pouco tempo para procurar a satisfação interior, o silêncio do espírito frente ao grande mistério da vida e da existência. Tantas complicações, correria, ansiedade para deixar para depois aquela espetada na bunda, aquelas gotinhas que o destino pinga na boca da gente, que parece a pior coisa do mundo e acaba sendo tão pouco que logo está esquecido.

Falo de mim mesmo, um pouco como um cãozinho que encontra satisfação em ser afagado pelos seus donos, um pouco como Deus maravilhado pela criação, um pouco como esses marreteiros trabalhando enquanto viajam, e um pouco ainda como esses meninos da Avenida Mauá.

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