27.6.07

Por que a culpa por trocar arquivos via redes P2P?

Lawrence Lessig, como muitos devem saber, é o professor de direito da Universidade de Stanford que idealizou e conduziu a implementação do Creative Common, uma maneira alternativa ao direito autoral convencional para se registrar conteúdo criativo. Seu livro Free Culture, lançado em 2004, explica, fundamentalmente, porque a sociedade considera criminoso o compartilhamento de arquivos via P2P, e porque na verdade o crime é proibir e restringir o compartilhamento.

Nos Estados Unidos, no começo do século 20, havia uma lei que dizia que o proprietário de um terreno também tinha direito a tudo que estivesse infinitamente abaixo e acima dele - em tese, isso incluiria até as estrelas do céu. Quando o aeroplano foi inventado, um fazendeiro proprietário de terras vizinhas a uma base militar, usou essa justificativa legal para processar o exército. Se ele ganhasse a causa, o desenvolvimento do transporte aéreo dependeria de se encontrar uma solução para ressarcir os donos dos terrenos nas rotas de viagem.

Poucas décadas antes, a invensão da fotografia provocou debates nas cortes de Justiça. O fotógrafo deveria ter o direito de reproduzir aquilo que não o pertencia? Se eu tirasse uma foto e na paisagem houvesse casas e edificios comerciais, seus proprietários não deveriam ter direito a cobrar pelo que estava sendo retirado deles?

Essas perguntas soam absurdas hoje em dia, mas em algum momento, a emergência de uma nova tecnologia provocou este tipo de questionamento. Mas o fato da Justiça ter decidido a favor da inovação influiu na maneira como a percepção foi moldada.

Considere agora, por exemplo, como temática, o estudo da mídia. Se um pesquisador quiser analisar um jornal do século 19, basta ir a um arquivo ou a uma biblioteca e solicitar o material. Mas se o objeto de estudo da pesquisa for um determinado programa de TV produzido no século 20 e o material pertencer a uma emissora que continua funcionando, como o pesquisador terá acesso ao material?

Os programas televisivos, diferente dos jornais, não têm a obrigação de serem arquivados para a posteridade - como está previsto pela Lei no caso dos periódicos - e mesmo que se consiga uma cópia do material pretendido, a utilização dele dependeria do OK da detentora dos direitos autorais. Para fazer um documentário, o pesquisador pode citar o conteúdo de um periódico, mas só poderá usar um clipe tendo permissão, o que geralmente implica em aumento dos custos de produção e isso inviabiliza a realização da maioria dos projetos desse tipo.

Por que podemos reaproveitar certas informações como as impressas em jornais e revistas e não podemos fazer o mesmo com outras como o audio e vídeo? E por que temos a percepção de que faz sentido as coisas serem como são? Por que esse tipo de restrição não provoca a mesma sensação de que se trata de um questionamento absurdo, como quando se propõe que o fotógrafo pague direitos autorais por imagens tiradas na rua? Ou que o avião pague ao proprietário de um terreno por sobrevoá-lo? Esse é o assunto do livro Free Culture, de Lawrence Lessig, lançado em 2004.

Desde que comecei a lê-lo, me sinto dividido entre o desejo de avançar e simultaneamente o de compartilhar no blog os elementos principais de cada capítulo. E isso, em si, diz respeito a este livro, na medida em que a natureza de um produto não-rival (que não seja escasso) como é o caso da informação é se disseminar; ele é reinventado a partir da disseminação, da circulação, do remix que abastece o espírito criador de idéias e sensações. O que seria, por exemplo, da série Guerra nas Estrelas se os direitos autorais da mitologia ocidental e oriental fossem reservados?

O argumento de Lessig não é o de que a propriedade seja intrincecamente ruim. Ele diz que dentro das sociedades, sempre existiu espaço para o material proprietário e para o livre. Os direitos autorais, nesse sentido, servem originalmente para garantir que existam incentivos para os criadores produzirem. Acontece que com o surgimento da Internet, popularizando a tecnologia digital de reprodução e difusão, os limites entre o que era considerado comercial e o que era de domínio público se confundiram.

Para Lessig, a diferença entre a maneira como a Justiça encarou inovações como o avião e a fotografia e a maneira como está encarando a Internet, é que aquelas tecnologias não colocaram em cheque um setor industrial. O surgimento da Internet, por sua vez, abriu uma possibilidade sem precedentes para a remixagem de informação mas paralelamente demonstrou a falência do modelo de negócios que empacota informação digital - imagens e sons. Esse impasse vem levando essas empresas a fazerem lobby para que os direitos autorais sejam cada vez mais controlados. O que, segundo Lessig, não serve para proteger o artista criador, mas interesses financeiros. Isso estaria fazendo surgir uma cultura de permissão como foi a sociedade feudal.

Free Culture é um livro escrito com lucidez, recheado de exemplos e voltado ao público não-especialista. A meta do autor é desconstruir a percepção, aparentemente óbvia, de que o compartilhamento de arquivos seja um roubo e que portanto prejudique a economia. Ao contrário, esse procedimento geralmente vem acompanhado de geração de conhecimento e riqueza.