21.3.07

Sobre importância da capacidade de registro nas sociedades complexas

Vira-e-mexe volto a pensar nas diferenças entre Brasil e países ricos, tentando imaginar maneiras de reduzir essa distância. Hoje fiquei brincando com a idéia da importância do indivíduo ser capaz de registrar fisicamente sua experiência no mundo.

Em uma sociedade complexa, a energia social se manifesta na forma de informação, do trânsito de dados. Os instrumentos da oralidade são ineficientes para manter e difundir conteúdo. O registro permite superar a distância temporal e espacial, possibilitando que a indivíduos desconhecidos / sem vínculos entre si possam formar uma malha cultural.

Muita informação é armazenada na cabeça das pessoas no curso de uma vida. Valores, experiências, técnicas. Mas o alcance desse conteúdo depende do grau de instrução da pessoa e da disponibilidade de tecnologia de comunicação.

Estava pensando no artigo As We May Thing, que em 1945 projetou como seria o mundo interconectado cinquenta anos no futuro. E com isso de certa forma, inseminou a imaginação de pessoas no sentido de incorporarem suas fantasias e idéias àquela idéia original, e fossem atribuindo valor à tecnologia existente de certa maneira, moldando-a para o formato que ela têm hoje.

Em parte, sim, o autor "previu" o futuro; mas dá para pensar que ele apenas detonou uma série de efeitos que levaram a que aquele caminho fosse tomado. Seria o mesmo que dizer que em uma sequência de peças de dominó a pessoa que derrubou o primeiro tenha derrubado o último. Tecnicamente isso pode ser falso. Ela derrubou o primeiro. Mas a força fez desprender várias outras forças.

Mas como eu estava dizendo: para que esse fenômeno aconteça, é fundamental que a pessoa consiga registrar seus pensamentos (saiba escrever, fotografar, gravar audio, etc) e tenha à disposição meios para que aquilo se dissemine.

Talvez eu esteja falando uma coisa muito óbvia. Mas o registro é fundamental para que a experiência seja acumulada. Ela é mais eficiente para vencer as limitações impostas pela distância; a distância espacial e temporal.

Na verdade, percebo que estou apenas ecoando uma mensagem que veio de longe, do ano de 1962, e de outro país, os Estados Unidos. Veja que curioso:

"By 'augmenting human intellect' we mean increasing the capability of a man to approach a complex problem situation, to gain comprehension to suit his particular needs, and to derive solutions to problems. Increased capability in this respect is taken to mean a mixture of the following: more-rapid comprehension, better comprehension, the possibility of gaining a useful degree of comprehension in a situation that previously was too complex, speedier solutions, better solutions, and the possibility of finding solutions to problems that before seemed insoluble. And by 'complex situations' we include the professional problems of diplomats, executives, social scientists, life scientists, physical scientists, attorneys, designers—whether the problem situation exists for twenty minutes or twenty years. We do not speak of isolated clever tricks that help in particular situations. We refer to a way of life in an integrated domain where hunches, cut-and-try, intangibles, and the human 'feel for a situation' usefully co-exist with powerful concepts, streamlined terminology and notation, sophisticated methods, and high-powered electronic aids."

O autor foi capaz de fazer isso chegar a mim porque: aprendeu a escrever, existia tecnologia para registro e dispersão, existia público leitor que justificasse a disseminação. Havia um grande volume de pessoas educado a partir de referências parecidas em relação a como padronizar o registro de suas idéias.

Por que isso não acontece no Brasil? Pouca gente aprender a ler e a escrever; suspeito até que a existência de lan-houses e projetos de inclusão digital tenham tornado o acesso à mídia mais amplo que à educação formal. Resultado: o alcance da idéia, da informação, da experiência de cada pessoa termina com ela ou, no máximo, com as pessoas que tiverem convivido regular e diretamente com ela. Traduzindo: é como se as peças do dominó no Brasil estivessem mais dispersas e fossem mais pesadas. Dá mais trabalho empurrar e as chances de provocar uma dispersão de energia é bem menor.